Portugal, Democracia Direta e o Futuro: Será a Hora de um Sistema de Referendos Frequentes?
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- 8 de nov. de 2024
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Portugal é um país de revoluções, mas também de tradições – uma terra onde se luta pelo futuro, mas se honra o passado. Hoje, em tempos de desconfiança generalizada nos governos e de um afastamento entre o povo e os decisores, a nossa democracia, ainda jovem e preciosa, parece pedir renovação. E se nos inspirássemos no exemplo da Suíça, um país onde os cidadãos, numa rotina cívica rigorosa e deliberada, são chamados a decidir diretamente sobre questões que moldam o futuro? Seria possível – ou desejável – para Portugal adotar um sistema de referendos frequentes, um modelo de democracia direta que nos desse a voz que há tanto tempo parece perdida?
A questão é complexa. A democracia direta promete envolver o cidadão comum, dar-lhe a última palavra, tornar o governo mais transparente e responsável. Mas, ao mesmo tempo, abre-se o risco de decisões populistas e do desgaste da própria ideia de participação. A transformação seria profunda, e o seu impacto econômico e social incerto. Vamos então explorar esta possibilidade: o que ganharia ou perderia Portugal com um sistema onde o povo é chamado a decidir frequentemente?
A Promessa de Mais Vozes e Maior Responsabilidade
Portugal, como qualquer democracia representativa, vive do ritual das urnas. De cinco em cinco anos, escolhemos um governo e confiamos aos eleitos o poder de decidir. E o que recebemos em troca? Políticos cada vez mais afastados da realidade do país, interesses que parecem responder a quem está em cima e não a quem vive cá em baixo. Não seria a altura de mudar isso?
O sistema suíço mostra-nos que há outra forma de organizar a democracia. Em vez de eleições ocasionais, os cidadãos são chamados a pronunciar-se sobre temas concretos – de impostos a questões sociais – através de referendos frequentes. É uma democracia onde o povo é, ao mesmo tempo, o juiz e o legislador. Ora, imaginemos Portugal com um sistema semelhante. Num país onde a abstenção chega aos 51% – como nas últimas legislativas – não seria esta uma forma de trazer os cidadãos de volta ao debate, de fazer com que cada um sentisse o peso das suas escolhas e a importância da sua voz?
Em teoria, sim. E o impacto de uma democracia mais participativa não seria apenas político, mas também económico. O Banco Mundial já mostrou que há uma relação entre a confiança do povo nas instituições e o crescimento do PIB. Quando os cidadãos sentem que participam e confiam nas decisões, a economia beneficia, o consumo cresce e o país torna-se mais atrativo para investidores. Estudos estimam que este aumento de confiança poderia resultar num crescimento adicional de até 1% ao ano do PIB, fruto de uma sociedade mais coesa e de um governo alinhado com a vontade popular.
Estabilidade, Transparência e Atratividade para o Investimento
Há outra palavra mágica em jogo: estabilidade. Hoje, mais do que nunca, é disso que vivem os mercados, o investimento e as economias nacionais. E a verdade é que os investidores – sejam eles pequenos empresários ou grandes multinacionais – não gostam de surpresas. A democracia direta, ao permitir que as grandes decisões passem pelo crivo popular, poderia ajudar a evitar mudanças bruscas de direção política, garantindo um nível de previsibilidade fundamental para os negócios.
A Suíça, com a sua economia robusta e uma das maiores rendas per capita do mundo (cerca de 94 mil dólares), é a prova de como a estabilidade política se traduz numa economia próspera. O sistema de referendos dá confiança a quem investe, ao garantir que as políticas públicas estão em sintonia com a vontade popular. Em Portugal, este fator poderia ser decisivo para atrair mais investimento estrangeiro, especialmente em setores como a tecnologia e as energias renováveis, onde a estabilidade é um trunfo indispensável.
Atualmente, Portugal atrai algum investimento estrangeiro, mas poderia ambicionar mais. Estudos sugerem que uma economia estável e transparente pode ver o investimento direto estrangeiro crescer até 5% em relação ao PIB. Com um sistema de referendos frequentes, as decisões em áreas estratégicas teriam o peso da aprovação popular, criando um ambiente de confiança e previsibilidade que Portugal bem precisa para se afirmar como destino de negócios. Num cenário otimista, poderíamos acrescentar cerca de mil milhões de euros ao PIB todos os anos, capitalizando um ambiente de confiança e estabilidade.
Desenvolvimento Regional: Um Novo Papel para as Autarquias
Se há uma área onde este sistema poderia ser revolucionário, é nas regiões. Portugal é um país desigual, com um litoral próspero e um interior que, década após década, vê os seus habitantes partir, as suas aldeias envelhecerem e a sua economia definhar. Num sistema de democracia direta, onde os referendos pudessem ser regionais, cada localidade teria uma palavra a dizer sobre as questões que realmente importam para a sua sobrevivência e desenvolvimento.
Imagine-se uma Beira Interior ou um Alentejo com poder para decidir sobre investimentos em turismo sustentável, em agricultura biológica ou em energias renováveis. Em vez de dependerem das políticas desenhadas em Lisboa, estas regiões poderiam promover um crescimento económico adaptado às suas próprias realidades e necessidades. Segundo o Banco de Portugal, um modelo descentralizado poderia reduzir as desigualdades regionais e aumentar o crescimento do interior em até 1,5% ao ano, criando emprego e fixando população onde ela mais faz falta. Para um país tão desigual, esta poderia ser uma das maiores revoluções democráticas desde a Constituição de 1976.
O Setor do Turismo: Crescimento Atraído pela Estabilidade
Portugal é um país de turismo. Em 2019, este setor contribuiu com cerca de 15% do PIB, atraindo milhões de visitantes todos os anos. Um modelo de referendos, que garantisse estabilidade e previsibilidade política, poderia ser um trunfo importante para fortalecer o setor. Numa era em que a segurança e a confiança são fatores decisivos na escolha de destinos turísticos, a imagem de um país onde o povo tem a última palavra sobre as grandes questões seria, sem dúvida, atrativa.
Segundo a Organização Mundial do Turismo, países politicamente estáveis registam um aumento de cerca de 4% nas visitas anuais. Para Portugal, isso poderia representar um acréscimo de 2 mil milhões de euros ao PIB até 2025. E não só: a transparência e o envolvimento cívico trariam também novas oportunidades de investimento no setor da hotelaria e do turismo sustentável, áreas onde o nosso país tem um enorme potencial inexplorado.
Tecnologia e Inovação: Atrair Investimento em Setores de Futuro
O setor tecnológico é outro pilar de crescimento em Portugal, com um ecossistema vibrante em cidades como Lisboa e Porto. Num país que já se tornou destino para startups e empreendedores de todo o mundo, a estabilidade política e o envolvimento dos cidadãos nas decisões poderiam consolidar esta posição. Investidores estrangeiros procuram previsibilidade e um ambiente regulatório seguro. Com um sistema de referendos frequentes, as políticas de incentivo ao setor tecnológico, de formação e de inovação teriam o suporte da vontade popular, tornando Portugal um destino de investimento ainda mais atrativo.
As projeções indicam que, com uma política de estabilidade e confiança, o setor tecnológico poderá representar cerca de 8% do PIB até 2030. Este crescimento não só diversificaria a economia como criaria novos empregos e impulsionaria as exportações de tecnologia, reforçando a posição de Portugal como hub de inovação na Europa.
Mas Há Riscos: O Populismo e a Tentação de Decisões Simplistas
Naturalmente, este caminho não é isento de perigos. A democracia direta, ao simplificar questões complexas para uma resposta de “sim” ou “não,” abre a porta ao populismo. Recordemo-nos do Brexit, uma decisão profundamente divisiva que prometia recuperar a “soberania” do Reino Unido, mas que, na prática, trouxe consequências económicas e sociais devastadoras. A democracia direta, como bem sabem os suíços, exige um eleitorado informado e preparado para ponderar questões complexas – uma exigência elevada, que, num país sem tradição de referendos, pode ser difícil de implementar.
Em Portugal, onde as questões económicas são já mal compreendidas pelo público em geral, há o risco de que temas como saúde, educação ou imigração se transformem em campos de batalha populistas. A tentação de usar os referendos para manipular a opinião pública seria real, e o impacto de decisões mal ponderadas poderia comprometer a estabilidade de setores fundamentais para a nossa economia. Num cenário extremo, o Banco Central Europeu estima que o custo de uma instabilidade social e política prolongada pode significar uma queda de até 2% no PIB anual.
Fadiga Eleitoral: Um Perigo Real
Outro risco evidente é o da fadiga eleitoral. A Suíça, com séculos de tradição na prática da democracia direta, realiza quatro rondas de votações anuais, e o sistema é aceite e valorizado pela população. Mas em Portugal, onde o hábito de participação é já limitado, o risco é que uma frequência elevada de consultas possa resultar no oposto do que se pretende: desinteresse, apatia e abstenção. Segundo uma sondagem do Eurobarómetro, 30% dos portugueses mostram-se desmotivados para votar, e um sistema de referendos frequentes poderia agravar esta situação.
E não esqueçamos os custos. Estima-se que um sistema de referendos frequentes em Portugal custaria cerca de 100 milhões de euros por ano. Para um país com as finanças públicas sob pressão, este é um investimento considerável, que só se justificaria se realmente trouxesse benefícios de longo prazo. Talvez uma alternativa fosse o voto digital, uma solução que reduziria os custos logísticos e simplificaria o processo – mas que também traz os seus próprios desafios de segurança e acessibilidade.
Divisão Social e Risco de Polarização
Por fim, há o perigo da polarização. Em países onde a democracia direta é usada em temas divisivos, as diferenças de opinião tendem a transformar-se em fações antagónicas, e o consenso torna-se difícil. Em Portugal, onde a sociedade é ainda relativamente homogénea em muitos aspetos, há o risco de que os referendos sobre temas polémicos – direitos civis, imigração, política fiscal – aprofundem as divisões em vez de promoverem o consenso.
Adaptar o Sistema à Realidade Portuguesa
Se um sistema de referendos frequentes tem algum potencial para Portugal, esse potencial só se concretizará com uma adaptação profunda à nossa realidade. Em vez de adotar o modelo suíço na íntegra, poderíamos começar com referendos limitados a questões realmente importantes, que justificassem o peso da decisão popular. Questões locais ou regionais, em particular, poderiam ser uma excelente forma de testar o modelo sem sobrecarregar os cidadãos.
Outra medida essencial seria investir numa plataforma de voto digital segura e acessível. Portugal já é um dos países mais digitalizados da Europa, e uma plataforma de voto eletrónico tornaria o processo mais eficiente e menos oneroso. Este investimento inicial poderia ser elevado, mas representaria uma poupança significativa a longo prazo e incentivaria a participação dos mais jovens.
E, claro, para evitar o risco do populismo, o Estado teria de investir seriamente na educação cívica e económica da população. Um eleitorado informado é a melhor defesa contra as tentações de decisões simplistas e reativas. Campanhas de informação pública, nas escolas e nas comunidades, seriam essenciais para preparar os cidadãos para os desafios da democracia direta.
Conclusão: Um Rumo Promissor ou um Salto no Escuro?
Adotar um sistema de democracia direta em Portugal é uma ideia ambiciosa e, sem dúvida, arriscada. Promete dar voz ao povo e revitalizar a nossa democracia, mas levanta também questões espinhosas sobre o seu impacto real. Os benefícios económicos poderiam ser significativos – desde o aumento do investimento estrangeiro até ao crescimento regional sustentável –, mas os custos e os riscos são igualmente elevados.
Para que este modelo funcione, Portugal terá de se comprometer com a transparência, investir em educação e preparar-se para uma sociedade verdadeiramente participativa. Será um caminho promissor ou um salto no escuro? Só a história dirá. Mas talvez, num tempo em que as democracias parecem frágeis e desgastadas, um modelo mais próximo do povo seja a renovação que o país precisa – uma forma de construir um futuro onde cada cidadão sinta que a sua voz, realmente, faz a diferença.
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