Portugal e o Futuro: Lições de Competitividade para uma Economia Pequena e Aberta
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- 7 de nov. de 2024
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Portugal encontra-se hoje num ponto de viragem. Rodeados pelo Atlântico e dependentes de relações comerciais globais, os pequenos países têm de ser competitivos para sobreviver. O nosso país, com o seu mercado limitado e, convenhamos, uma falta de urgência em abraçar a inovação e as reformas, tem muito a aprender com outras pequenas economias abertas que já perceberam como ganhar no mundo global. Falo de Singapura, Irlanda, Suíça, Finlândia, Luxemburgo, Nova Zelândia e Estônia — pequenas economias que, ao longo das últimas décadas, conseguiram transformar-se em gigantes financeiros e tecnológicos.
E Portugal? Ora, Portugal ainda se vê preso a certas ideias românticas de uma economia de proximidade, com pouca visão estratégica e uma burocracia que só parece querer adiar o que não pode ser adiado: reformas profundas. Precisamos de políticas que fomentem o investimento estrangeiro, qualifiquem os nossos jovens, incentivem a inovação e ofereçam um ambiente fiscal competitivo. Não falo aqui de magia, mas de medidas concretas que podem elevar a nossa economia. Vamos ao que interessa, porque a nossa situação não melhora com promessas vagas e comissões intermináveis.
A Política de Comércio e Investimento: Quebrar o Conforto do “Pequeno é Bom”
Há algo de peculiar na nossa relação com o comércio internacional. É verdade que estamos no seio da União Europeia e que isso nos garante vantagens no mercado único. Mas o mundo não se limita à Europa, e os tempos exigem expansão, ousadia. É preciso que olhemos para fora com a audácia de quem sabe o que quer. A Irlanda, por exemplo, atraiu um volume de investimento estrangeiro direto em 2021 que ronda os 110 mil milhões de dólares, enquanto Portugal ficou pelos 14 mil milhões. O que eles têm que nós não temos?
Para além disso, Singapura tem-se tornado um verdadeiro hub global de negócios e comércio, com a sua localização estratégica no Sudeste Asiático e um ambiente regulatório que facilita a troca de bens e serviços em todo o mundo. A política de livre-comércio de Singapura, somada à sua política fiscal altamente competitiva e à capacidade de atrair talento internacional, foi um dos motores que impulsionaram o seu crescimento. Com uma economia que depende quase inteiramente do comércio externo, a cidade-estado sabe que o sucesso está em diversificar parceiros comerciais e garantir a plena integração no mercado global.
A Finlândia, por sua vez, apesar de ser um país pequeno, conseguiu posicionar-se como um centro de excelência em tecnologia, especialmente no que diz respeito à inovação em software e comunicação. Através de um compromisso com a educação e com a pesquisa e desenvolvimento (I&D), a Finlândia conseguiu uma taxa de crescimento robusta, mesmo em tempos de crise. Um exemplo claro foi o sucesso da Nokia, que, mesmo antes de sua queda, demonstrava a importância de focar no desenvolvimento de produtos inovadores e de alta qualidade, muitas vezes antecipando as tendências globais.
E não podemos esquecer o modelo luxemburguês, que, com um sistema fiscal altamente competitivo, transformou-se num dos centros financeiros mais importantes da Europa. O governo de Luxemburgo focou-se na atração de empresas multinacionais e fundos de investimento, oferecendo benefícios fiscais, infraestrutura de classe mundial e um sistema bancário seguro, criando um ambiente de negócios favorável e altamente competitivo.
Podemos, e devemos, negociar novos acordos de comércio, focando-nos em setores com alto valor acrescentado, como a tecnologia e as energias renováveis. É assim que se constrói uma economia moderna. Não podemos continuar a adiar as reformas fiscais, as melhorias no ambiente de negócios ou o investimento em infraestruturas. As economias que sabemos serem bem-sucedidas — como a Irlanda, que tem visto um crescimento robusto nos setores de tecnologia e farmacêutico, ou a Suíça, com a sua capacidade de atrair empresas de alta tecnologia — mostram que é preciso muito mais do que um simples mercado local. Precisamos de audácia, de internacionalizar mais a nossa economia, de garantir que o país seja verdadeiramente competitivo a nível global.
É urgente criar um ambiente de negócios atraente, transparente e ágil. O que impede Portugal de adotar um modelo de “Portugal Fast Track” para acelerar processos de licenciamento, especialmente em setores estratégicos? E se adotássemos um sistema que prioriza investimentos acima de um certo valor, garantindo a quem aqui quer investir que o processo será rápido e eficiente? Menos palavras, mais ação.
Educação e Competências: Sem Qualificação, Não Há Futuro
Aqui está um dos nossos maiores calcanhares de Aquiles: uma força de trabalho sem as competências adequadas para competir globalmente. Basta olharmos para as estatísticas. Em Portugal, apenas 23% dos adultos têm formação superior, face aos 51% na Irlanda. Não é surpresa, pois, que os nossos jovens licenciados acabem por emigrar. Enquanto isso, vamos adiando uma revolução educativa. Não precisamos de mais escolas ou cursos que não ensinem o que o mercado procura. Precisamos de formar as pessoas para o que o mundo precisa: engenheiros, técnicos de alta qualidade, cientistas e programadores.
Queremos um Portugal moderno? Então temos de investir fortemente em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (os chamados cursos STEM). Precisamos de criar verdadeiros “centros de excelência” nas nossas universidades, com apoio do setor privado e até com incentivos fiscais para as empresas que queiram formar os seus futuros trabalhadores. É assim que se faz nas grandes economias e é isso que funciona. Também é fundamental criar programas de requalificação para os que já estão no mercado de trabalho, um investimento que, aliás, poderia ser cofinanciado pela União Europeia.
A Suíça, por exemplo, tem uma formação técnica muito mais robusta do que Portugal, algo que tem sido um dos pilares da sua competitividade. O modelo de formação dual, onde as empresas são parceiras no processo educativo, e o forte apoio ao desenvolvimento de competências técnicas, tem sido uma das chaves do sucesso suíço. Se a Suíça, com uma população reduzida, consegue ter uma das economias mais dinâmicas do mundo, Portugal pode, com as devidas adaptações, também construir uma base sólida de capital humano para suportar a sua modernização.
Da mesma forma, a Nova Zelândia, uma pequena nação do Pacífico, tem conseguido prosperar ao investir pesadamente em educação de qualidade e na capacitação contínua dos seus cidadãos. Com um sistema educacional moderno, que integra desde a educação básica até a formação contínua em setores específicos, a Nova Zelândia conseguiu desenvolver um mercado de trabalho altamente qualificado, capaz de competir com as grandes potências globais.
Inovação e I&D: Não Há Alternativa
Portugal gasta 1,6% do seu PIB em Investigação e Desenvolvimento, bem abaixo da média europeia de 2,4% e dos 3% de Singapura. A inovação é o coração das economias competitivas, e nós continuamos a tratar o tema como um luxo. É preciso ser claro: sem investimento sério em inovação, Portugal ficará sempre no fim da fila.
Tanto a Finlândia como a Suíça investiram pesadamente em pesquisa e desenvolvimento, garantindo não apenas a presença em setores de alta tecnologia, mas também um ambiente favorável à criação de startups de base tecnológica. A Finlândia, com seu compromisso com a educação e inovação, criou um ecossistema propício à criação de empresas de sucesso, como a Rovio e Supercell, responsáveis pelo famoso jogo "Angry Birds".
A Suíça, com seu forte setor farmacêutico e de saúde, é um exemplo de como um pequeno país pode liderar globalmente em indústrias com alta demanda por inovação e pesquisa. Empresas como Novartis e Roche se beneficiam de políticas públicas que favorecem o investimento em I&D, e o país oferece uma infraestrutura de classe mundial para pesquisa e desenvolvimento, além de manter uma rede estreita entre universidades, centros de pesquisa e indústria.
Propomos a criação de um Fundo de Inovação direcionado para áreas com forte potencial de crescimento, como a biotecnologia e as energias renováveis, financiado pela reestruturação de subsídios ineficientes e antiquados. Também devemos aprender com os modelos de investimento partilhado, onde o governo cofinancia projetos de I&D junto ao setor privado. E, claro, porque não criar um verdadeiro “cluster tecnológico” em Lisboa, financiado por parcerias públicas e privadas? Em vez de investir em subsídios que só mantêm o status quo, investimos em inovação, em futuro.
Eficiência Regulatória: A Tragédia das Pequenas Burocracias
Há algo de trágico na nossa burocracia. Todos concordam que é lenta, ineficaz e, pior ainda, desmotivadora para quem quer investir e criar. No ranking do Banco Mundial sobre facilidade de fazer negócios, ocupamos um decepcionante 39.º lugar, bem longe de Singapura, que ocupa o 2.º lugar. Isto é inadmissível. Como podemos competir se os nossos empresários passam dias, semanas, meses a lutar contra papéis?
A mesma Singapura, que se tornou um dos destinos de maior investimento do mundo, deve parte do seu sucesso à sua regulação simplificada e ao seu ambiente favorável aos negócios. A flexibilidade nas regras de contratação, a facilidade para obter licenças e a rapidez nas aprovações tornam o país um modelo de eficiência administrativa.
Propomos a criação de um verdadeiro portal digital único, onde qualquer negócio possa ser registado e licenciado em menos de 48 horas. Temos exemplos de sucesso lá fora e só não os seguimos porque ainda nos falta visão. Precisamos de uma agência independente que reveja as nossas regulações anualmente, eliminando o que é redundante, facilitando a vida a quem quer empreender e, no fim do dia, trazendo dinamismo à economia.
Competitividade Fiscal: O Jogo Não Perdoa
A Irlanda conseguiu reduzir o seu imposto sobre as empresas a níveis que atraem multinacionais de todo o mundo. Portugal, por outro lado, vê a competitividade fiscal como uma questão moral, como se fosse um pecado atrair empresas com impostos mais baixos. Mas não se enganem: o mercado é impiedoso, e se não criarmos condições favoráveis, as empresas irão para outros lugares.
A Suíça tem uma das taxas de imposto corporativo mais competitivas da Europa, ao mesmo tempo que garante um dos sistemas de segurança social mais sólidos. A combinação de uma fiscalidade amigável às empresas com uma grande estabilidade económica e política atrai constantemente investidores para o país.
Que tal pensarmos em reduzir a taxa efetiva de IRC para as empresas inovadoras ou para aquelas que investem em setores estratégicos? Não sugiro uma corrida ao fundo do poço, mas sim uma abordagem estratégica, que balanceie o orçamento, que priorize setores de futuro. E, ao mesmo tempo, vamos reduzir os incentivos para setores que já não acrescentam valor. É assim que se faz um país competitivo e justo.
Conclusão
Portugal tem todas as condições para ser uma economia moderna e competitiva, mas temos de ser sérios e ousados nas nossas escolhas. As lições estão aí, com Singapura, Irlanda, Suíça, Finlândia, Luxemburgo, Nova Zelândia e Estônia a mostrar o caminho. Mas enquanto continuarmos a discutir reformas e adiá-las para a próxima legislatura, estaremos sempre na periferia, tanto da Europa como do mundo.
É tempo de sermos claros: precisamos de mais investimento em inovação, mais eficiência na regulação, um sistema fiscal atrativo, e um compromisso verdadeiro com a educação. Portugal tem de aprender que o “bom” nunca é suficiente.
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