Portugal Precisa de um Plano Ambicioso para Reformar o Mercado de Trabalho
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- 29 de out. de 2024
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Portugal vive um dilema antigo e crónico: temos uma economia estagnada, um mercado laboral rígido, e um país que, em muitos aspetos, não consegue competir com os seus pares europeus. A produtividade mantém-se baixa, os jovens continuam a sair para o estrangeiro em busca de oportunidades, e os investimentos estrangeiros preferem outros destinos. Está mais do que na altura de admitirmos que precisamos de uma reforma de fundo. Olhando para países como a Alemanha, Irlanda, Suíça e Polónia, é evidente que o sucesso vem de reformas profundas, ajustadas à realidade dos mercados e não à nostalgia de um tempo que já não existe.
Proponho aqui, inspirado nestes exemplos internacionais, um plano de seis pontos para transformar o nosso mercado de trabalho e impulsionar o crescimento económico. É uma proposta ambiciosa, talvez até controversa, mas Portugal já esperou demasiado tempo por mudanças que só chegam em doses homeopáticas. É tempo de Portugal abrir as portas à verdadeira modernização.
1. Tornar o Mercado Laboral Mais Flexível
A nossa legislação laboral tem uma característica: prefere proteger o emprego ao trabalhador. Ou seja, mantém-se a segurança do contrato mas desvaloriza-se a pessoa. Portugal tem uma das legislações mais rígidas da Europa, o que cria um mercado com pouca inovação e alta rotatividade, e onde as empresas hesitam em contratar, temendo os altos custos de despedimento. A Alemanha, por exemplo, lançou as chamadas reformas Hartz no início dos anos 2000, simplificando a contratação e o despedimento e aumentando a competitividade. Como resultado, a taxa de desemprego caiu de 11,2% em 2005 para 3,9% em 2019.
Riscos: A flexibilização pode resultar em maior insegurança e instabilidade para os trabalhadores, especialmente para aqueles em contratos permanentes, que temem mudanças bruscas nas suas condições de emprego.
Como Mitigar: Para proteger os trabalhadores, o Estado pode rever o sistema de subsídios de desemprego, proporcionando um apoio reforçado e temporário para aqueles que se vejam em transição de um emprego para outro. Paralelamente, investimentos em programas de requalificação e formação podem ajudar quem perde o emprego a encontrar novas oportunidades rapidamente, sobretudo em áreas de elevado crescimento, como a tecnologia ou as energias renováveis.
2. Reduzir os Impostos sobre o Trabalho
Portugal é um dos países onde os impostos sobre o trabalho são mais elevados, particularmente para os trabalhadores de baixos e médios rendimentos. Esta carga fiscal afeta tanto empregadores como empregados, desincentivando a contratação e reduzindo o rendimento disponível das famílias. Uma política de redução de impostos sobre os rendimentos, inspirada no exemplo irlandês, poderia ser uma lufada de ar fresco na economia. A Irlanda conseguiu atrair grandes multinacionais e reduzir o desemprego, em parte graças a uma política fiscal agressiva que equilibra os custos do trabalho.
Riscos: Reduzir impostos implica uma diminuição da receita do Estado, o que pode afetar os serviços públicos e aumentar o défice. Além disso, pode causar pressões inflacionárias, pois o aumento do rendimento disponível pode inflacionar os salários em setores de menor produtividade.
Como Mitigar: Uma abordagem faseada, com revisões anuais, permitiria ao governo avaliar o impacto real da redução de impostos, evitando um impacto financeiro brusco. E para garantir que as empresas de alta produtividade são incentivadas, a redução da carga fiscal pode incidir mais diretamente sobre setores estratégicos como a tecnologia e a energia verde.
3. Investir em Formação Profissional e Qualificação
Outro problema estrutural do nosso mercado laboral é a falta de formação adequada para responder às necessidades de uma economia moderna. Em países como a Suíça, por exemplo, o sistema dual de ensino combina educação escolar com formação profissional, reduzindo o desemprego jovem e aumentando a produtividade. O modelo suíço inspirou-se na integração da formação com a prática laboral, o que tem permitido à Suíça manter uma taxa de desemprego jovem muito baixa.
Riscos: A formação profissional é dispendiosa e exige coordenação estreita com o setor privado, e existe o risco de que alguns programas de formação percam relevância face à rápida evolução tecnológica.
Como Mitigar: Criar parcerias com empresas privadas e instituições de ensino permitirá que as formações estejam sempre alinhadas com as necessidades do mercado. Além disso, o financiamento dos programas pode ser baseado nos resultados, onde os subsídios se mantêm para as formações que apresentem elevadas taxas de colocação no mercado de trabalho.
4. Promover a Empregabilidade dos Jovens
Portugal tem uma das taxas de desemprego jovem mais elevadas da Europa. Este cenário não só prejudica os jovens, como esvazia o país de talento e impede o surgimento de inovação. O Estado pode e deve dar um incentivo à contratação de jovens através de créditos fiscais para empresas que contratem trabalhadores com menos de 25 anos. Países como os Países Baixos têm adotado políticas de incentivos fiscais e de trabalho flexível que mantêm o desemprego jovem abaixo da média europeia.
Riscos: O incentivo à contratação de jovens pode resultar em empregos precários, de baixa qualidade, onde a experiência profissional não é valorizada nem existe a possibilidade de progressão.
Como Mitigar: Apenas os postos de trabalho que ofereçam planos de desenvolvimento e formação estruturada devem beneficiar dos créditos fiscais. Assim, garante-se que os jovens não são apenas um recurso temporário. Além disso, criar incentivos semelhantes para a contratação de trabalhadores mais velhos (50+) poderia ajudar a combater o preconceito etário e equilibrar o mercado.
5. Reformar a Negociação Coletiva e a Determinação Salarial
A atual rigidez das negociações salariais cria um ambiente onde os salários não refletem a produtividade real, afetando a competitividade. Inspirando-se no modelo dinamarquês, Portugal pode adotar um sistema de negociação descentralizado, onde as empresas e as regiões têm autonomia para ajustar salários com base em condições locais e setoriais.
Riscos: A descentralização pode gerar desigualdades salariais entre regiões, afetando particularmente os trabalhadores de setores menos competitivos e regiões mais pobres. Além disso, a influência dos sindicatos poderia ser enfraquecida, o que poderia levar a uma perda de direitos laborais importantes.
Como Mitigar: A criação de um salário mínimo nacional como base para todas as negociações protegeria os trabalhadores contra eventuais abusos salariais. Além disso, a presença de representantes dos trabalhadores nas negociações descentralizadas permitiria que os interesses dos empregados fossem tidos em conta. E, para corrigir desigualdades, poderiam ser criados fundos de compensação para apoiar as regiões menos competitivas.
6. Atração de Investimento Estrangeiro com Zonas Económicas Especiais (ZEE)
Finalmente, a criação de Zonas Económicas Especiais (ZEE) em regiões menos desenvolvidas, com condições fiscais e laborais mais flexíveis, pode ser um catalisador para atrair investimento estrangeiro e gerar emprego. Este modelo tem funcionado na Polónia, onde ZEE focadas em setores como o automóvel e a tecnologia têm gerado crescimento económico significativo.
Riscos: A redução de regulamentos nas ZEE pode resultar em exploração laboral e em condições de trabalho abaixo dos padrões nacionais. Além disso, o investimento concentrado em algumas áreas pode agravar as disparidades regionais.
Como Mitigar: As ZEE devem manter padrões laborais mínimos, incluindo salários mínimos e regulamentações de segurança, para proteger os trabalhadores. Uma porção das receitas geradas nessas zonas pode ser redistribuída para melhorar a infraestrutura e os serviços em regiões vizinhas, reduzindo as desigualdades. Além disso, as empresas nas ZEE devem cumprir com regulamentações ambientais para garantir que o crescimento económico não vem à custa do ambiente.
Conclusão
Portugal enfrenta desafios que não podem continuar a ser resolvidos com reformas tímidas e homeopáticas. Precisamos de um plano ousado e pragmático, que combine uma visão de crescimento económico com a proteção dos trabalhadores e do ambiente. Inspirando-nos em reformas bem-sucedidas noutros países e adaptando-as à nossa realidade, poderemos construir um mercado laboral mais flexível, competitivo e justo. Este plano é ambicioso, sim, mas talvez seja exatamente do que Portugal precisa para entrar verdadeiramente no século XXI, com uma economia preparada para crescer e para dar aos portugueses as oportunidades de que tanto necessitam e que há tanto tempo lhes são negadas.
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